O género pós-apocalíptico foi em tempos um oásis para o cinema alternativo, fora da mira do mainstream podia abordar-se qualquer assunto sem tabus ou censuras. Empurrar uma freira para debaixo de um comboio em movimento, decapitações em massa ou incendiar um infantário sem antes proceder à sua evacuação. Mas Hollywood atravessa uma época de massacre a este género onde sodomiza constantemente um tipo de cinema que nunca foi muito grande, mas já foi próspero e amado. Desta vez temos um filme que mais parece uma imensa publicidade à religião e aos evangelistas lunáticos, onde o product placement é protagonizado por uma bíblia e ao qual só falta mesmo o slogan “Com as bíblias do Sr. Joaquim não há demónio que entre em mim“.
A principal característica deste Book of Eli é mesmo a sua unidimensionalidade, o seu vazio, a sua falta de história para nos ajudar a passar com mais conforto as duas horas de duração. Temos um caminhante hardcore, duro como pregos, que parece ser invencível e, qual jogo de computador, vai passando nível após nível de porrada, cacetada e cenas de luta que apesar de abundantes nunca passam de medianas. Transporta consigo um livro sagrado, único no mundo devido a um cataclismo que destruiu o planeta e teve o efeito secundário curioso de acabar com a leitura na Terra. Esse livro é cobiçado pelo vilão (leia-se com pronúncia brasileira) pois o seu poder de domar povos é imenso.
Bom, várias teorias acerca do poder da bíblia neste filme podem ser analisadas. Se por um lado se fala num livro que tem que ser levado para um local onde poderá ser responsável pelo retorno da civilização ao planeta Terra, por outro lado temos um livro que, usado nas mão erradas, tem o poder de aprisionar mentes fracas a uma religião e consequentemente dar poder a quem dele se vale para criar rebanhos de seguidores cegos. Mais ou menos como é usado neste momento. Mas na realidade o que se aplica aqui é uma velha máxima do marketing, não há publicidade boa e publicidade má, apenas publicidade. E é este conceito que, independentemente das ideologias, grava no cérebro de quem vê o filme a ideia de que a bíblia é verdadeiramente um livro poderoso. E isto é o filme. Uma imensa publicidade.
Denzel Washington é um tipo que não admiro especialmente. Aquela postura de superioridade em todos os filmes que faz incomoda-me. Mas para balançar o elenco (leia-se com pronúncia brasileira também) temos a fantástica Mila Kunis, fresca como uma alface, uma flor colorida num deserto pós-apocalíptico. Visualmente pretende ser árido e cinzento, com céus dramáticos e carregados e cenários poeirentos monotom, mas essa característica começa a irritar a partir da primeira meia hora. Salva-se os… Bom, pensando bem não se salva nada. Nem as cenas de acção que são postas a martelo, com a previsibilidade e frequência de um Geiser. “Epá, já passou um quarto de hora sem porrada? Metam aí um grupo de salteadores à volta do protagonista para ele os chacinar à catanada. Como nos filmes do Bruce Lee, que apesar de serem uns 15 malandrins à volta do herói, só ataca um de cada vez para ele ter tempo de os aviar a todos.”
Tenho pena que assim seja porque era um filme que esperava com algum entusiasmo. E o facto de o livro de Eli ser uma bíblia é algo que me incomoda. Não sou uma pessoal espiritual nem religiosa, mas respeito a fé e respeito as crenças das pessoas, desde os Mormons aos cristãos, desde os satanistas às wikas, mas gosto dos meus filmes como gosto da política: laica. Com os poderes devidamente separados para não influenciarem as pessoas nas suas conclusões acerca da sua própria existência ou acerca do sentido da vida em geral.